sábado, 5 de outubro de 2019

Minha cama em Jerusalém

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

(Álvaro de Campos)

Eu lembro de 2013.
Nesse ano eu comecei a me perguntar o que esse poema condensa de maneira tão perfeita.

Eu lembro de transitar pelo facebook e observar as pessoas. 
Uma foto com um jogo da velha dizendo 
fun sun beach vibes, 
porque afinal, 
um idiota em inglês, 
se é idiota, 
é bem menos que nós. 
Outra declarava que todo mundo era idiota, 
a onu era idiota, 
e quem estava certo era um vídeo de hasbará 
onde todas as verdades eram explicadas em dois minutos, 
ah! 
como ninguem percebe o que eu percebo!!

Eu, 
diante daquela plataforma de vergonha alheia, 
me declarava o ser mais inteligente do universo. 
Isso me incomodava.

Ok, então todo mundo é idiota e você não.
Por quê?
Ah porque eu estudei na yeshiva e isso me fez me interessar por estudos em geral e comecei a estudar.
Ok, então é por causa da yeshivá, que que você tá se achando?
Mas na yeshiva tambem tem pessoas idiotas, nem todos começaram a estudar.
E por quê você sim?
Não sei, talvez por causa da educação em casa...

Comecei a me afogar nessas reflexões,
Tudo que eu era diferente eu me perguntava o porquê.

Isso me causou uma crise tremenda.
Eu não tenho mérito nenhum,
Sou o fruto do que me fizeram.
(Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram.
E esse intervalo? Não existe!)

Ah mas tem coisas que ninguém me causou, são minhas e pronto.
A inteligência ou uma parte dela,
A personalidade ou uma parte dela,
São coisas que vieram de mim.
Ah mas são genéticas! 
Não são mérito meu.
(Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Metade desse intervalo vem de coisas da vida, biológicas talvez)

Entre eu e minhas influências não há nenhum espaço
Que claustrofobia
Preciso de ar, 
Me dêem o espaço que eu nunca vou ter.

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.






13 comentários:

  1. Raquel não sei porque não to conseguindo escrever em prosa, tipo se eu sigo na linha ele dá uns 3 tabs automaticamente.

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    1. vai ver que você nasceu pra fazer poema, versos... haha to brincando, não sei também... talvez eu estou a te contagiar

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  2. lindas palavras.. forte bem forte!
    sinto que te conheci um pouco mais ao ler esse texto.
    não quero chamar de texto, porque isso é muito mais do que um texto.
    texto é coisa estática, com começo meio e fim.
    texto é coisa de gente sem graça, que não arrisca, que não tem coragem de expor o que realmente sente. de gente que nem sabe o que sente.
    o que você escreveu é dinâmico, flutua por entre teus sentimentos,
    transcrição honesta dos teus pensamentos..
    que privilégio tenho em poder ler-te,
    obrigada por confiar em mim e compartilhar comigo,
    essas palavras que tenho certeza que vêm do teu coração ou alma,
    ou de qualquer coisa dentro de você,
    que te torna você, você.
    menino real, menino sensível, menino com tempero único em meio a esse mundo de coisas sem sabor. É uma delícia poder te experimentar através das tuas palavras..

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  3. ´´Começo a conhecer-me. Não existo.
    Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
    Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
    Sou isso, enfim...
    Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
    Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
    É um universo barato.´´

    Então isso é Álvaro de Campos? Nunca iria saber... Quando comecei a ler, tinha certeza que era você escrevendo, esse estilo combina com você! Bem que dissemos que entre os heterônimos, você combinava com ele! Falamos disso faz um bom tempo, lá nos nossos primórdios! (você usou a palavra primórdio esses dias para descrever nosso começo, gostei e adotei)

    Mais especificamente essa parte parece muito ter sido você quem escreveu, consigo imaginar você escrevendo isso, principalmente das chinelas no corredor, haha

    Sou isso, enfim...
    Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
    Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
    É um universo barato.

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    1. Nossa eu amo essa parte!! E fiquei super feliz que vc disse pensar que era eu escrevendo

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  4. ´´Eu lembro de 2013.
    Nesse ano eu comecei a me perguntar o que esse poema condensa de maneira tão perfeita.´´

    Eu acho incrível como você lembra dos anos em que se passaram seus sentimentos, pensamentos... fazem 6 anos isso! caramba

    Então naquele ano você se deparou com esse poema? Como?
    E me relembra, naquele ano onde você tava da sua vida?
    (Em qual diretor? Zueira)

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    1. Naquele ano eu vim pra israel, fiquei em har hamor ate agosto, passei um mes na yeshivat hakotel e depois fui pra mechina morar na givat tzarfatit..
      Hahaha nao tinha diretor na epoca (nem menina)

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    2. É que eu tinha 18 anos! Eu lembro bem

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  5. Vou dormir porque tenho sono e tá tarde, amanhã respondo o resto com calma porque esse seu flutuar lindo de ideias merece meu olhar e meu responder cuidadoso

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  6. O que você acha que ele quis dizer com ´´É um universo barato´´? Na primeira vez que li esse post, isso me intrigou, e agora que estou relendo, esse mesmo verso novamente chama a minha atenção e to tentando pensar aqui mas não me vem nada na cabeça que conecte esse verso com o resto do poema..

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    1. É um universo barato acho que por ser essa ilusão de termos escolha, de termos algum lugar significativo nele.. Mas não sei de fato

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