quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Quem sabe sou mais Álvaro de Campos?

[17:29; 21:09... infinito]

Nessa tarde cinza e densa, encontro um respiro na poesia com a qual me deparei na estante do corredor da casa da minha tia. Digo que encontro um respiro, não porque eu estivesse sufocada e precisando respirar, mas porque qualquer encontro com a poesia convida aquele que passa a respirar um ar fresco e novo de palavras que fluem como a água do rio.
Pois bem, me deleito nesse momento com esse maravilhoso e enorme volume de Álvaro de Campos. Por um instante me detenho.
Me detenho e penso que talvez, abrindo-o, estarei sendo entregue aos feitiços desse heterônimo, o que é perigoso pois ele pode de pronto me seduzir com seu lirismo angustiadamente irônico e me amarrar a ele. E talvez eu nunca mais consiga me desprender de suas garras friamente poéticas, e confesso que gosto que tais garras me agarrem com todo seu vigor poético e não me deixem escapar. 
Me detenho porque meu coração é Alberto Caeiro. 
Respiro Alberto Caeiro.  
Tento viver na prática a filosofia de Alberto Caeiro, seu estilo de vida simples e direto, abstratamente concreto.
No passado, emprestei doses de Alberto Caeiro para servir como antídoto para muitas de minhas crises e divagações mentais aflitivas. Hoje, engulo de uma vez a dose inteira, me banho com fartura nas suas águas e bebo de sua fonte.
No futuro, quem sabe que dose tomarei, e em qual quantidade? Não cabe a mim pensar nisso agora. O amanhã não é certo, ele inexiste, assim como o sopro do segundo que acaba de se esvair e virar passado. O presente é uma centelha de vida, e ele dura o suficiente para percebermos que ele já se foi.

Pois bem, como eu dizia...
Me detenho porque meu coração é Alberto Caeiro. 
Não posso nem ousar espiar pelas páginas de Álvaro de Campos, não sei o que me aguarda lá dentro, quem sabe serei sugada, devorada por seu modo irreverente e irônico de ser? Quem sabe seu ceticismo me seduza a ponto de eu não saber mais o que é crer em qualquer coisa? Eu que creio em tanto... Eu que creio mesmo sabendo que minha crença talvez não passa de uma ilusão e consolo, de uma tentativa infantil de imbuir de sentido o que não tem, de respingar com cor essa tela cinza de mundo...



O sol se pôs, as estrelas tentam brilhar por debaixo desse véu urbano poluído. Agora o relógio já marca 21:10. 
E eu sigo aqui, nesse meu oásis virtual, única superfície de contato que tenho com você, Yossi, até domingo raiar...
Veja bem, ´´superfície´´, termo propositalmente empregado para traduzir a bidimensionalidade escrota de tal contato.

Como eu dizia...

Por um instante me detive.
Mas logo no instante seguinte, de súbito abri o livro e mergulhei nele como quem mergulha num mar densamente azul e cheio de corais dos mais variados tons e texturas...
Primeiro, como me é de costume, folheei algumas páginas com minhas mãos, que escorregavam cheias de prazer pelas linhas, sentindo a energia que emanava daquelas várias palavras. 
Logo voltei a fechar o livro como quem fecha uma abertura escondida de um túnel secreto por guardar mil tesouros. 
Fechei o livro para novamente olhar, dessa vez de forma mais atenta, sua capa, contracapa, absorver essa interface entre o livro e o mundo, afinal o mundo só chega a ver e tocar a capa e a contracapa. Poucos são os que tem a sorte ou a coragem de abrir um livro e se deixar levar pelo que ele propuser...
Segurei o livro junto do meu peito como quem segura um bebê risonho e misterioso, abracei-o como se ele tivesse vida e pudesse me abraçar de volta.  E de fato vida tinha, pois me retornou o abraço.
Tornei a abrir o livro, dessa vez com mais fome e vontade, pronta pra me entregar. 
E ao me entregar, ele me envolveu com suas linhas atrevidas, pessimistas, intimistas, futuristas, melancólicas, paradoxais... 


Meu amor!
Sinto um pouco de você nessa poesia... Há muitos traços teus que rimam com a poesia do Álvaro de Campos. Isso é especial. Você acha especial? 

Eu poderia escrever muito mais aqui, porque os sentimentos e pensamentos são vários, e que delícia é poder compartilhar com você. Mas vou te poupar de ler uma bíblia e vou me limitar por aqui, te deixando com um excerto de um dos poemas que mais me tocam e pelo qual o Álvaro de Campos é mais famoso (não que essa segunda informação importe). 
Espero que você goste!
Depois me conte :)

TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.




terça-feira, 22 de outubro de 2019

Sedaduas

[O que é o tempo?]

Oi!
Oi meu amor!
Faz tempo que não escrevo por aqui, e agora sinto saudades tanto de você quanto daqui. Mas a daqui é fácil de matar, é só abrir o computador e escrever ou ler algo nessa coisa querida que criamos e que suspeito que nem exista no mundo real. Já a saudade de você, tenho que pegar um avião pra matar. Enquanto não o faço, ela própria é quem me mata lenta e tortuosamente, e simultaneamente quem me faz reviver magicamente em universos paralelos e variados. 

De fato sinto saudades de você.
Sinto.
Sinto com todo meu corpo, com todo o meu pensamento, e até mesmo com toda a minha alma. 
Sinto no peito, nas mãos, nos lábios, na pulsação.
Sinto nas noites em que não tenho quem abraçar,
nas manhãs que desperto para o lado e me deparo com o nada.

É interessante experienciar quantas dimensões e tons diferentes a minha saudade pode adquirir. Nunca me entendio, porque a saudade que sinto de você sempre se reveste de nova cor e vem bater à minha porta vestida de novo traje, diferente do que era ontem, diferente do que fora a um minuto atrás. E assim ela me mantém entretida, até que você, na sua tridimensionalidade, possa me entreter como eu venho sonhando todas as noites. 

A saudade...
Às vezes ela vem de fininho quando eu menos percebo, e quando vou ver, já se instalou dentro de mim e se apossou do meu ser, sem pedir permissão para me adentrar.
Às vezes ela chega invadindo, sem nem tentar se disfarçar, e me carrega pra dentro dela até eu não poder mais chorar.

A saudade...
Me prende, me sufoca.
Me liberta, me alivia o peso da solidão.
Me faz companhia, é minha melhor amiga,
Me faz me sentir sozinha nessa imensidão.

A saudade...
Às vezes safada, me inflama pra dentro dos seus beijos longos e demorados, roçando nossos corpos molhados e quentes.
Às vezes carinhosa, me carrega pra dentro do seu abraço apertado, onde sinto ter encontrado terra seca depois de um navegar sofrido. 
Às vezes cruel, me obriga a chorar lágrimas azuis de tristeza, me afogando num infinito mar azul.
Às vezes companheira, passeia comigo por onde eu vou, escreve versos comigo, lê livros comigo, assiste os filmes que assisto, pensa, sorri, come, tudo comigo, e no cair da noite, se enrola em volta de mim até adormecermos juntas e nos entregarmos para mais uma noite fria.

A saudade...
Me consome, como fogo que arde sem se ver.
Me engole, me mastiga, me cospe.
Me traz leveza, me inunda numa nuvem branca de paz densamente leve.
Me permite ser, estar e sonhar.

A saudade...
Me leva pra mundos distantes, ilhas imaginárias de amor, braços abertos a me encontrar.
Me lança pra dentro de si mesma, me gira como num redemoinho, do qual não sei escapar. 
Me carrega no colo, me faz confessar, que não tem mais jeito de dissimular.
Me taca num beco escuro e vazio, longe de qualquer possível luar. 

A saudade desperta comigo com todo nascer solar, 
E dorme embalada no meu corpo com todo nascer lunar. 
Em todos os meus versos, em todos os meus passos,
Em todos os meus humores, em todos os meus retratos,
Ela encontra uma maneira de se infiltrar, e ficar.

E ficar...

______________________________________________________________

Como minhas palavras hoje não conseguem expressar a magnitude daquilo que sinto, te deixo com algumas poesias de pessoas que traduzem em linguagem clara a turbulência ilegível do meu coração.
Principalmente esse da Clarice Lispector descreve muito o que eu sinto e me dá muito alívio o fato de ela ter conseguido transcrever esses sentimentos intensos em palavras precisas.

Sentimento urgente – Clarice Lispector

Saudade é um pouco como fome
Só passa quando se come a presença
Mas, às vezes, a saudade é tão profunda que a presença é pouco
Quer-se absorver a outra pessoa toda
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira
É um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.



Chega de saudade – Vinicius de Moraes

Vai minha tristeza
E diz a ele que sem ele não pode ser.
Diz-lhe numa prece
Que ele regresse
Porque não posso mais sofrer.
Chega de saudade
A realidade é que sem ele
Não há paz.
Não há beleza,
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim.
Não sai de mim,
Não sai.
Mas, se ele voltar
Se ele voltar, que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca.
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços.
Apertado assim, colado assim, calada assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De viver longe de mim.
Não quero mais esse negócio
De você viver assim.
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim…

(nessa música modifiquei de ´ela´ pra ´ele´ porque você é meu leitor)










quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Sucá do Rebe

No dia de yom tov o Korich quis ir para o minian chabad. Tem livros, perguntei, deve ter, respondeu. Chegando lá saí catando livros, só livros chabad, não entendo nada, não tenho o que ler.
Peguei um livro de sichot do Rebe e encarei o desafio. Algo de sucot.

A sichá era de 1979. Em idiche traduzida pra hebraico. Vamos ao pouco que entendi de lá dentro.

Está escrito "e nas sucot vocês vão sentar". Mas sucá é bechinat mekif e sentar é bechinat pnimit! Essa era a primeira pergunta. Não entendi. Li e reli, pensei e despensei: mekif (em português "envolve") é algo de fora, algo que vem pra gente do ambiente externo, entrar na sucá não é algo interno, existe algo que vem de fora, no ar da sucá, assim como o shabat, existe algo na natureza do dia, asseret yemei tshuva a tshuva funciona mais do que em outros dias porque nem tudo vem dentro. Pnimit seria algo que vem de dentro. Depois o Rebe fala que sentar é algo que vem de dentro da gente, algo que entendemos ou sentimos, tshuvá de dentro, receber o shabat antes, etc... Ele traduz os dois termos para conceitos intelectuais: mekif é emuná e pnimit é entender as coisas. A sucá seria mekif ou pnimit? Emuná ou sechel (intelecto)?

Percebi também que as sichot dele tem uma configuração interessante: ele nos afoga com perguntas e responde tudo no fim com uma idéia só.
Segunda pergunta: Sucá tem o conceito de paz bem forte, haviam os 70 korbanot em nome dos 70 povos, temos o termo sukat shelomecha, sucá era pra todo mundo sentar junto. Por quê? Por que justo em sucot? O que tem de especial em sucot pra comparar com paz?
Teceira pergunta: Qual a relação de lulav com sucot? Eles foram ordenados no mesmo dia por quê? A torá não conecta os dois claramente mas existem dinim que conectam os dois, por exemplo, a brachá de lulav deve ser feita na sucá.

Tem mais umas perguntas mas vou direto à idéia...

Você entra na sucá como mekif, algo que você entra dentro e absorve o ambiente, a sucá vem como emuná, você entra lá sem entender nada, depois a sucá te permite entender as coisas a fundo, intelectualmente.
Por quê? A sucá junta todo mundo sob o mesmo teto, ela representa paz, paz traz verdade.
Como? Juntando opostos, juntando contradições, as 4 espécies, que representam tipos diferentes de pessoas, são colocadas juntas e a gente chacoalha elas! Vamos chacoalhar e ver o que sai. A sucá tem a capacidade de colocar vários opostos no mesmo liquidificador e como resultado ela libera a verdade. As coisas ficam claras depois de juntarmos todas as diferenças. A paz traz a verdade.

A paz traz a verdade ou a verdade traz a paz. Tanto faz?

O Rav Kook em Olat reia, seu pirush do sidur, na parte de "talmidei chachamim marbim shalom baolam" fala sobre esse conceito. Ele diz que a princípio pensaríamos que a verdade e a paz são conceitos opostos, porque afinal, se eu defender a minha verdade até o final eu não vou ter paz com o meu oponente. Mas não! A verdade só vem quando a gente pega variás ideias contraditórias e cada uma reflete seu lado da verdade. Por isso os chachamim trazem a paz, porque eles mostram como cada um traz seu lado da verdade, cada um está com a verdade parcialmente. Ir atrás da verdade traz paz e sabe o quê? A paz traz a verdade tambem.

Um parentesis sobre a idéia do Rav kook:

O professor de filosofia no Bar Ilan Avi Sagi, escreve um livro chamado elu veelu, em nome da famosa fala de chazal "elu veelu divrei elohim chaim" (quem tá certo beit shamai ou beit hilel? Deus responde que elu veelu), esse livro analisa o conceito de pluralismo no judaísmo, ele divide as opiniões do judaísmo em 3: A monista, a harmônica e a pluralista. A monista é dizer que só tem uma verdade e o resto tá errado, elu veelu simplesmente quer dizer que eu tenho que tolerar o outro mas ele tá errado. defensores da monista são em geral os rishonim: rambam, ritba, etc. A pluralista é dizer que todas estão certas na mesma medida, nenhuma está errada. A harmônica diz que cada um está certo em parte e errado em parte, cada um reflete uma parte diferente da verdade, em uma intensidade diferente. A verdade é um sofisticado prisma refletindo em várias cores e de vários ângulos. Nesse grupo o prof Avi Sagi coloca o Rav Kook, o Maharal, etc.

A princípio o Rebe parece fazer parte do grupo da verdade harmônica. E a sucá é um catalisador dessa verdade.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

A voz da Raquel

Hoje você estava comigo no ônibus, no piquenique, no trabalho...
Eu não conseguia desconectar meus ouvidos de você, você tava falando com aquela voz que eu amo.

Qual voz que eu amo?
A voz indignada da raquel,
Reclamando das saudades,
Que esse celular não ajuda em nada
(mas na verdade ajuda né,
desculpa celular,
desculpa o caralho)

Que tem essa distância,
no tempo,
no espaço
e em qualquer dimensão que você quiser,
menos no amor.
Mas po o amor não é suficiente,
quero o espaço-tempo também.
A tridimensionalidade.

Sem querer ofender o amor,
mas ofendendo,
O amor é legal mas pelo amor de deus né.

Deus né.

A voz da raquel espiritualizada,
Hesitante, leve e cantada.

Cantada né.

Aquela cantada que ela dá quando eu tiro o óculos.
Com aqueles cabelos me fazendo carinho.

Aliás, e esses óculos aí?
Quando é que você vai trocar esse óculos menino?
Como eu posso saber que você tá me vendo?
Não falo mais com você, você não tá nem me vendo, puxa.
(Muito louco isso,
não tenho como saber o que você está vendo,
você pensa nisso às vezes?
É uma loucura se você for pensar)

Desde netanya que você disse que ia trocar!
Lembra de netanya?
Antes de eu ir pro brasil.



Brasil né!!!!

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Naquele momento era só eu, a música e você.

Se conseguir, põe a música ´´Mora na filosofia´´ pra tocar enquanto lê ...


~Mora na filosofia~


...Re-versando…


Acho que já não nos cabe a decisão…


Botei na balança,
Você despencou
Botei na peneira
Você transbordou


Não há balança ou peneira que te contenha,
Então venha se des-conter no meu amor.
Aqui não cabe contenção.


Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor?
Mora na filosofia,
Pra que rimar amor e dor?


Mesmo se teu corpo não ficasse marcado,
Por lábios ou mãos carinhosas,
Eu saberia,
Que no teu corpo eu pertencia.


Não vou me preocupar em ver
Nosso caso não é de ver, é de ser
Tá na cara.

___________________________
Reversei a música acima no dia 13 de Junho (dia em que nasceu Fernando Pessoa, não que isso importe haha), sentada no banco que dá de frente pro gramado central da IDC. Era época de provas, e se não me falha a memória, eu estava naquele dia imersa na biblioteca estudando pra minha primeira prova, de teorias da personalidade.
Eu saí da biblioteca pra tomar um ar, me sentei nesse banquinho, e me vi tomada por uma paz muito forte, ou nas palavras do meu diário daquele dia,

´´Vejo a realidade como quem observa uma realidade distante.
Sinto-me absorvida no meu próprio mundo, na minha própria poesia.

Várias coisas já não me importam.
Me importa só estar.
E sentir toda essa bagunça gostosa de sentimentos.´´

Você tinha acabado de viajar pra NY e as saudades já permeavam meu ser. Poucos dias atrás, você tinha me apresentado a música ´´Mora na Filosofia´´, e eu estava viciada nela... Naquele dia não foi diferente. Ouvi aquela música umas 20 vezes, sentada naquele banquinho da IDC. Lá edifiquei meu próprio casulo de paz e luz, onde a realidade externa de provas e estresse não me atingia. Quem passasse por mim deveria pensar que eu estava sendo abduzida por alguma luz de algum mundo imaginário, pois um sorriso bobo preenchia meu rosto enquanto a música tocava em voz alta a minha volta. Eu tava nem aí com quem passava e ouvia, com quem passava e me via naquele estado hipnótico.
Naquele momento era só eu, a música e você.

E se naquela época, há 4 meses, meu amor por você já ´´tava na cara´´, como diz a música (eu sei que a música original não é exatamente uma história tão feliz como a que eu reversei), e eu sentia que já não nos cabia a decisão, no sentido de que já não nos cabia o freio sobre tal amor... então agora, tendo colecionado mais alguns tempos preciosos ao teu lado, já nem sei o que dizer...
Esse amor se alastrou por dentro de mim como labaredas de fogo laranja vivo, e toda eu ardo de vontade de você.




domingo, 6 de outubro de 2019

O fez esverdear

[Não importa o horário. Hoje não me guio pelas horas, mas sim pelos sentimentos. O tempo não existe, é uma doce ilusão daqueles que têm esperança]

Sinto meus olhos tornarem-se azuis
Por debaixo das minhas pálpebras cansadas.
A lágrima atravessa, lentamente, meu rosto,
E me provoca com suas cócegas salgadas.
Tenho imensa vontade de estancá-la, secá-la,
Mas me contenho e deixo percorrer-me a gosto,
Livre e leve, foi o que ela queria ser ao se libertar.
Navegar livremente pelo rosto do meu triste mar,
E finalmente encontrar minha boca para se abrigar.

O céu que agora paira sobre nós é o mesmo,
Infinitas estrelas de sonhos e saudade. 
Mas se nessa noite você olhou para cima, 
Viu que o céu está colorido de tom diferente,
Pois hoje contém discretos resquícios de verde.
Você não sabe quem está por trás deste pintar, 
Já que você não esteve aqui para testemunhar,
Foi meu verde quem desaguou no azul do céu, 
E emprestando-lhe um pouco do azul,
O fez esverdear. 

sábado, 5 de outubro de 2019

Minha cama em Jerusalém

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

(Álvaro de Campos)

Eu lembro de 2013.
Nesse ano eu comecei a me perguntar o que esse poema condensa de maneira tão perfeita.

Eu lembro de transitar pelo facebook e observar as pessoas. 
Uma foto com um jogo da velha dizendo 
fun sun beach vibes, 
porque afinal, 
um idiota em inglês, 
se é idiota, 
é bem menos que nós. 
Outra declarava que todo mundo era idiota, 
a onu era idiota, 
e quem estava certo era um vídeo de hasbará 
onde todas as verdades eram explicadas em dois minutos, 
ah! 
como ninguem percebe o que eu percebo!!

Eu, 
diante daquela plataforma de vergonha alheia, 
me declarava o ser mais inteligente do universo. 
Isso me incomodava.

Ok, então todo mundo é idiota e você não.
Por quê?
Ah porque eu estudei na yeshiva e isso me fez me interessar por estudos em geral e comecei a estudar.
Ok, então é por causa da yeshivá, que que você tá se achando?
Mas na yeshiva tambem tem pessoas idiotas, nem todos começaram a estudar.
E por quê você sim?
Não sei, talvez por causa da educação em casa...

Comecei a me afogar nessas reflexões,
Tudo que eu era diferente eu me perguntava o porquê.

Isso me causou uma crise tremenda.
Eu não tenho mérito nenhum,
Sou o fruto do que me fizeram.
(Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram.
E esse intervalo? Não existe!)

Ah mas tem coisas que ninguém me causou, são minhas e pronto.
A inteligência ou uma parte dela,
A personalidade ou uma parte dela,
São coisas que vieram de mim.
Ah mas são genéticas! 
Não são mérito meu.
(Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Metade desse intervalo vem de coisas da vida, biológicas talvez)

Entre eu e minhas influências não há nenhum espaço
Que claustrofobia
Preciso de ar, 
Me dêem o espaço que eu nunca vou ter.

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.






Pós afogamento

Cá estou depois de várias horas só de raquel,
lendo sobre a raquel,
falando com a raquel,
ouvindo a raquel,
sentindo a raquel!

Droga...

Ela não está aqui.
Penso em como são os seus olhos,
fixos e abertos,
olhando para mim e para minhas ideias,
captam tudo,
ficam se mexendo pra lá e pra cá,
vibrando alegres,
ficam aguados,
azuis.

(deus aos olhos da raquel perigo e abismo deu,
mas foi nele que espelhou os céus.
Já falamos disso, não?
Claro claro.)

Claro?
Não!
Fica tudo nebuloso na minha mente.
Eu fico pensando
Como é a raquel?
Como é a cara dela?
Me desenha vai.
Minhas mãos não desenham,
Tenho duas mãos esquerdas.

(sem ofensas a minha querida e amada canhota)

Então tento desenhar na mente.
O que vejo?
É a raquel?
Sim
É ela?
Sim!
É a raquel!
Mas ela é nebulosa,
É ela mesmo?
Eu não tenho uma foto dela na minha cabeça,
O que estou vendo então?

No shabat eu só tenho acesso a raquel da minha cabeça,
certeza é ela caramba,
mas não sei o que vejo,
não vejo uma imagem.

Vejo os seus cachos,
ah! Isso eu vejo sim,
Mas não são seus cachos físicos,
eu vejo suas cachezas,
isso sim,
Não vejo seus olhos,
Não vejo seu olhar,
mas vejo seu azul,
isso sim.

Então fico todo azul,
Por te ver e não te ver,
Por saber que tem certas dimensões tuas que estão comigo,
Mas algumas não estão
E só estarão
Em menos de um mês po!
Em menos de um mês, tá bom.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Minhas anotações baseadas na palestra sobre suicídio

[Não se sinta na obrigação de ler ou responder, sei que tá longo e talvez não te interesse muito, mas quis compartilhar!]

Luto por suicídio e a clínica com pacientes com ideação suicida

  • Prof. Dr. Marcelo Sodelli, fenomenólogo hermenêutico, docente do curso de Psicologia da PUC-SP (pesquisador no campo de Suicídio).
  • Profª Drª Maria Helena Franco, Professora Titular da PUC no Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clinica e fundadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto – LELu, da PUCSP.
_________________________________________________________________

  • O suicídio como fenômeno irreversível
  • Necessidade de compreender o suicídio inserido num contexto de mundo pós-moderno.
  • O que nós sabemos sobre o suicídio?
    • Só o antes, e não o fenômeno em si.
    • Não sabemos o que é a morte em si, só podemos saber o que é a vida.
      • Visão de Heidegger sobre a morte
  • Perguntas que o paciente pode fazer dentro do espaço clínico:
    1. Qual é o sentido da vida?
      • O paciente, ao perguntar isso, de fato espera uma resposta por parte do terapeuta → Causa angústia no terapeuta
    2. Sempre é possível superar um sofrimento?
  • 3 dimensões para entender como se dá o fenômeno do suicídio
    1. O mundo
    2. O eu
    3. O outro
  • Diferentes visões acerca do suicídio, dependendo da época e contexto → Mostra que nem sempre o suicídio é visto como algo ruim e errado
    • Grécia antiga: Suicídio como ato de honra e demonstração de coragem, um privilégio do homem
    • Hoje em dia: Suicídio como fuga (alguém tentando fugir de seus problemas), ato de covardia, visto como patologia
  • Nietzsche: ´´Deus está morto´´ (A Gaia Ciência, 1882)
    • Essa frase condensa o espírito da época: distanciamento da religião, niilismo 
      • Perigo do niilismo: A morte de Deus deveria trazer uma liberdade nunca antes vista, mas estamos perdidos, não sabemos para onde ir e nem o que fazer com isso. → A falta de um referencial externo traz desespero → o homem procurará novos deuses = razão, humanismo, ciência, leis.
      • A fé virou razão, a dona da verdade é a Ciência, nossa nova religião é o progresso do homem. 
    • Ao realizar esse statement, mostra-se uma mudança de paradigma.
      • Agora, temos um novo Deus, que não está ligado ao sagrado, mas sim à ciência. Usamos a ciência para preencher o espaço que antes Deus e os valores transcendentais preenchiam.
        • A ciência tenta entender e explicar os fenômenos, para alcançarmos um controle e domínio sobre tais fenômenos. 
          • Como dominar o fenômeno do suicídio?
        • A ciência hoje casou com o capitalismo, buscando o capital.
          • Só áreas que dão retorno ganham investimento. 
            • Ex. A área da tecnologia 

  • Hoje, o mundo é movido pela tecnologia e pela técnica.
    • A experiência foi substituída pelo experimento.  
    • A sociedade de hoje é movida pela técnica, pelo desempenho, pela performance.
    • Perdemos a possibilidade da intimidade.
      • Facebook, instagram: publicamos a intimidade, pois publicar o que é público não tem graça, não rende likes. 
    • Não precisamos mais de chefes, nós somos nossos próprios chefes, nós mesmos mandamos na gente. 
  • Mundo virtual
    • Infinito, ilimitado
      • Ilusão de que a vida não acaba, de que não há resistência para a vida
    • Quem se torna usuário do mundo virtual também vai se tornando infinito, imortal. 
      • Suicídio interrompe a atemporalidade, indica que algo não está funcionando. É visto como patologia.

  • É difícil lidar com o suicídio, porque é um fenômeno que nos escapa 
    • Não é captado/detectado por escalas e questionários. 
  • O suicídio não tem uma causa, é um acontecimento.
  • Estatística: 90% dos suicídios são ligados a alguma patologia.
  • Depressão ≠ Tristeza ≠ Melancolia
  • Será que todo mundo que pensa em se matar, está deprimido?
  • Será que toda pessoa que se suicida, tem uma psicopatologia?
  • Será que alguém pode estar tendo um sofrimento psíquico e querer se suicidar sem necessariamente estar doente (ou seja, se suicidar estando em plenitude)?
  • Para dar fim a sofrimento físico
    • Suicídio assistido
      • Geralmente para pessoas que estão tendo um sofrimento físico (dores insuportáveis), um diagnóstico de doença terminal. 
      • A facilitação ao suicídio do paciente, onde o agente, normalmente um parente próximo, põe ao alcance do enfermo terminal alguma droga fatal ou outro meio parecido. → Portanto, o suicídio assistido exige que o paciente esteja totalmente consciente. 
      • Suicídio assistido vs Eutanásia
        • Suicídio assistido: realizado pela própria pessoa
        • Eutanásia: ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente com fins ‘’misericordiosos’’.
      • Legalizado na Holanda, alguns estados dos Estados Unidos, Alemanha e Suíça
        • No Brasil, tanto o suicídio assistido como a eutanásia são proibidos e considerados homicídios, e o praticante pode ser penalizado. 
    • Curiosidade: A eutanásia e o suicídio assistido eram muito praticados na Grécia e Roma antigas. Na cidade de Marselha, existia um depósito público de cicuta (veneno extremamente poderoso) à disposição de todos que querem se suicidar. Em Atenas, o senado tinha o poder absoluto de decidir sobre a eliminação de velhos e incuráveis, dando o conium maculatum- bebida venenosa, em cerimônias especiais. 
  • Alguém que pensa em suicídio, que traz esse tema pro espaço clínico, está livre ou não-livre?
  • A tentativa de suicídio pode ser um impulso. E às vezes, esse impulso passa. Mas às vezes não. 
  • O sobrevivente do suicídio é aquele que era próximo, de alguma forma, da pessoa que se suicidou. Por exemplo, a mãe de filho que se suicida é uma sobrevivente do suicídio.
    • A função do psicólogo não é perdoar o sobrevivente do suicídio, dizendo coisas do tipo: ´´Ah, tudo bem, você é uma pessoa bacana…´´. Em vez disso, o psicólogo deve ´´gastar´´ o assunto, conversar sobre, perguntar porque aquele sobrevivente se sente da maneira como se sente (culpado, triste, etc) → ´´Porque você acha que você não é uma boa pessoa?’’
  • Cometer suicídio está completamente relacionado com a sua compreensão de mundo.
    • Nem sempre envolve loucura, surto, impulsividade. 
    • Tem a ver com o sentido. Qual o sentido da minha vida? Qual o sentido do meu suicídio? → E é essa reflexão que pode levar ao suicídio, ou seja, nem sempre é uma motivação patológica. 
    • Porém em geral, a pessoa que se mata de forma serena não é a pessoa que está na clínica, porque essa pessoa tem certeza daquilo, ela está em paz com sua escolha. Tanto que essa morte é aquela que surpreende a todos, porque ninguém esperava que fosse acontecer. 
  • As mulheres tentam mais se matar, mas são os homens quem mais conseguem se matar. Ou seja, quem de fato se mata é mais o homem. → 4 homens para cada uma mulher.
    • Possíveis explicações
      • A mulher, na hora H, pensa mais na sua família (ex. muitas das mulheres em nossa sociedade são mães), enquanto o homem tende a pensar mais em si mesmo.
      • O homem é visto na sociedade como aquele que tem que ser agressivo, bem sucedido, então ele acaba empregando métodos mais violentos e agressivos de se matar, o que acaba tendo ´´sucesso´´. 
  • O psicólogo precisa entender quem é o paciente, quais as falas trazidas por esse paciente.
    • Quero sumir  ≠ Quero ser atropelado  ≠ Já planejei como quero me matar…
  • O Prof. Marcelo, na sua clínica, sempre faz uma espécie de ´´contrato prévio´´ com o paciente, dizendo que ele se dá o direito de avisar a família caso sinta que a vida do paciente está em risco. 
    • Porém, o psicólogo deve ser muito cauteloso nesse aspecto, e saber qual o momento em que a situação está de fato crítica o suficiente para avisar a família. 
    • Se em toda sessão, o psicólogo avisar a família que o paciente está pensando em suicídio, isso terminará a terapia, porque trará angústia para a família e a família irá dizer que não sabe lidar com a situação e que quer internar o membro em alguma instituição. 
  • Clichês ditos sobre o suicídio
    • ´´Quem fala não faz´´
    • ´´Tá tentando chamar atenção´´
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Se quiser entender um pouquinho mais da psicologia fenomenológica, a partir do ponto de vista do Marcello Sodelli que deu essa palestra, esses vídeos são bacanas!! Eu escreveria mais sobre o que eu penso de cada um desses vídeos/pontos que eu acho interessante sobre cada um deles, mas talvez é algo que não ''cabe'' no blog... Se você tiver interesse, me avisa e vou ficar feliz em compartilhar aqui no blog! Se não, eu deixo no meu diário mesmo haha 

https://www.youtube.com/watch?v=OBFl-KNcmHQ: O que é uma terapia de fato terapêutica?
https://www.youtube.com/watch?v=lc8xFy5ek8w: A temporalidade do terapeuta


Reencontros inesperados

[00:57]
[Sentada na mesa da cozinha, depois de comer banana com doce de leite quente]
[Cansadíssima mas com vontade de escrever antes que me esfriem essas palavras mornas de sentimento]


Esses dias, não sei bem ao certo porque, eu estava ouvindo aquela música ''O que será que será- A flor da pele'', inclusive depois de ouvir a do Caetano primeiro, porque Caetano é Caetano, ouvi a versão do Chico Buarque com o Milton Nascimento, que lembro que você dizia preferir. Provavelmente coloquei essa música para escutar, numa tentativa até que bem-sucedida, mas admito um pouco dolorida, de te resgatar de alguma forma, de me sentir conectada e perto de você. Se não nos teus braços, então em música.

Pois bem, ouvir essa música esses dias mexeu comigo.
Acho que estou dizendo esses dias mas na verdade foi só ontem e hoje mesmo haha.
Enfim.
Mexeu comigo.
E até agora quando escrevo isso, me comovo, lágrimas brotam discretamente nos meus olhos. Estão ficando azuis.
Ouvir aquela cancão mexeu comigo, mexe comigo, porque me rememora o nosso comecinho tímido, me traz à lembrança aquelas primeiras vezes em que você vinha me buscar de carro em casa e eu nem ao certo sabia no que eu estava me metendo, mas desde relativamente cedo já senti que haveria uma sintonia entre nós, que aquilo ia pra frente de alguma forma.. Nem te beijava de oi, nem abraço, nem sequer mãos. Te cumprimentava apenas com as palavras. Você não me olhava muito no olho, eu buscava aqueles teus olhos que já tinha percebido serem morenamente mais morenos que os meus, queria sentir como era olhar fundo nos teus olhos, porque pra mim isso diz muito sobre a pessoa, mas você, enquanto explicava alguma ideia ou contava como foi seu dia, olhava em quase todas as direções menos na minha. (estou exagerando levemente para efeitos de dramatização textual)
Aquele começo...
Leve, tímido, aos poucos, muitas e muitas conversas, uma infinita troca de palavras antes de qualquer troca de corpo... Mal eu sabia como iria me apaixonar.. Me encontrar em você, me perder em você... Pensar que hoje literalmente choro de saudades suas..

Não lembro ao certo o contexto de onde surgiu essa música do ´´que será que será´´, mas lembro que foi você quem me apresentou, e imagino que foi quando eu estava aqui no Brasil pra Pessach e você na Croácia, ou em Israel logo antes de ir pra Croácia.. Porque lembro que você me mandou algo sobre essa música no whatsapp, e eu fiquei interessada e fui pesquisar, vi que ela foi feita pro filme ´´Dona Flor e seus dois maridos´´, baseado no livro de Jorge Amado. E que então foram compostas três ´´versões´´ da música, que eram tocadas em diferentes momentos do filme.



Abertura
À flor da pele
À flor da terra

Especialmente a letra da ´´À flor da pele´´ me tocou muito, achei ela liricamente muito bonita e forte, expressiva. E hoje ela faz mais sentido do que nunca.

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
E nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

Vi o filme todo. Adorei. Me emocionei, pra variar..
Me impressionou muito o papel da atriz Sônia Braga. Jovem, expressiva, bonita, vigorosa, cheia de energia.

A Sônia Braga que vi hoje estava diferente. Na sala de cinema da qual acabo de sair, ela estava velha, enrugada, cabelos grisalhos, costas curvadas. Sua aparência mudou drasticamente, mas todo o resto nela permanece. Sua essência, sua expressividade, sua habilidade de expressar a peculiaridade e intensidade dos sentimentos humanos, seu talento estava lá.

Reencontros espontâneos, inesperados. Esses são os que mais me tocam, pois me pegam de surpresa e respaldam o meu acreditar, talvez ingênuo mas certamente sincero, de que há sim algum significado e propósito por trás desse mundo que muitas vezes soa caótico e aleatório.

Ao ler um pouco sobre o filme antes de ir ao cinema hoje, o nome de Sônia Braga surgiu como uma das atrizes do filme. Confesso que eu, que não acredito em coincidências e sinto que tudo, ou quase tudo, é Deus se comunicando comigo, me emocionei. Um reencontro espontâneo entre a Sônia Braga de antes, jovem e toda bonita, e a de agora, visivelmente sob influência das amarras do tempo. Mas era a mesma Sônia. E ela estava lá, tecendo essa ponte de conexão entre dois momentos na minha vida. Surgindo para me fazer consciente de todo o caminho que já percorremos, de todas as linhas de amor e cumplicidade que já escrevemos...
 6 meses atrás, pouquíssimas semanas depois de te conhecer, ainda não totalmente embriagada pelo teu amor -
e hoje,
entregue ao que quer que o futuro me dê ao teu lado, pois do teu lado já não consigo sair.

Não sei se você está captando a profundidade do que estou dizendo, ou se deve estar pensando que eu vejo conexões e sentidos onde não tem, e que nada mais aconteceu do que eu ter visto a mesma atriz em dois filmes diferentes, em dois momentos diferentes da minha vida, ou melhor, da minha vida com você. Grande coisa.

Pois é! Pra mim é de fato uma grande coisa...
A Sônia de ontem se reencontrou com a Sônia de hoje, e eu pude presenciar esse reencontro.
A Raquel de ontem se reencontrou com a Raquel de hoje, e eu pude presenciar o quanto as coisas mudaram desde que eu te conheci, o quanto a Raquel ainda é a mesma mas também já é tão diferente... Era coisa, negócio, dinâmica... Passou por oásis, refúgio.. Hoje prefiro não definir, porque qualquer tentativa de definição limitará e não conseguirá captar a sintonia e intensidade do nosso amor.

Hoje, quando os olhos dela se tornam azuis, muitas vezes é por você,

por gratidão de ter te encontrado, ou melhor, de não ter demorado pra te encontrar, porque segundo uma perspectiva de חיוב, esse encontro já estava previsto para acontecer...
por um amor que não cabe em mim e encontra seu escoamento em forma de lágrimas...
por uma perplexidade ao contemplar o fato de Deus ter criado alguém que se encaixa tão bem com o que Ele criou de mim..
por uma contemplação da tua sensibilidade, carinho, profundidade, inteligência e ao mesmo tempo humildade...
e no momento, azuis pelas saudades sem fim que estou sentindo...

''O que será que me dá? (...) Que é feito uma aguardente que não sacia...''

E tenho certeza que nunca saciará,
pois como eu já te disse várias vezes,
todos os dias dessa vida não serão suficientes
para tudo o que eu ainda quero viver 
ao
seu 
lado
.