domingo, 29 de setembro de 2019

Catarse

Hoje lembrei de uma noite muito estranha pra mim.
Não sei se já te contei disso antes.

Acordei com o espírito melancólico,
aquele que vai atrás de músicas tocantes,
só para chorar,
"só".

Tem algumas tristezas que guardo e elas ficam mais felizes quando estou com você,
minhas lembranças mudam de cor.
Hoje não foi diferente.
Minha lembrança consiste numa fria noite de novembro, dia 9 para ser mais preciso,
Era sábado anoite em Jerusalém.
Eu tinha passado shabat lendo dostoievski,
um menino passando sozinho uma noite de natal,
sua mãe morreu,
seu pai?
Estava frio,
ele só queria um casaco e uma sopa,
tinha tuberculose e tossia
todos o recebiam a vassouradas,
sua única solução era errar pelas ruas.
A cidade era a sua amiga.
E assim foi que jesus passou sua noite de natal.

Outro conto era sobre uma prostituta que não conseguia voltar para casa.
Era frio.
Os homens que lhe estendiam a mão para ajuda-la na verdade queriam estender outra coisa.
Ela errava pelas ruas e os olhares perseguiam ela,
Ela só queria estar sozinha e sofrer sozinha.
Foi para uma cidade que ninguém a conhecia e andava por lá.
Errava e sofria de frio.
O dia no conto era 9 de novembro,
Olha lari, to lendo um conto que está acontecendo dia 9 de novembro!
Ela não prestou atenção.

No fundo eu queria viver o que aquela mulher vivia,
Eu queria errar pelas ruas e sofrer,
Eu queria ir pra Rússia e ficar com frio e me perder na névoa branca.

Shabat acabou.

Estamos três sentados na mesa, eu fazendo minha primeiras lições de cácluco numérico
(Aquelas das bactérias que fiz o projeto final em abril!
Eu já tava com você.
Ai que alegria)
Eu tava na cabeceira da mesa,
A lari e a selly na outra ponta da mesa estudando outras coisas.
Vou percorrendo pelas músicas e chego no shalom chanoch.
Começo a ouvir הולך נגד הרוח,
algo me toca daquela vez.
ואתה מרגיש שאתה האיש הכי בודד בעולם.
מוצא את עצמך הולך נגד הרוח.
Aquela letra, aquele piano...
O homem andando pelas ruas, as luzes fracas no horizonte...

Começo a chorar.
Aquilo não foi um choro normal.
As lágrimas escorregavam com uma facilidade que me deixou assustado.
Eu não tava entendendo.
Mas tava bom.
Eu queria mais.
Fui atrás de mais músicas, גיטרה וכינור, אדם בתוך עצמו...
Eu chorava sem parar
e eu gostava,
Queria mais.
Eu queria errar,
eu queria sentir frio,
queria o fundo do poço,
Era bom e eu sabia.
Só queria a oportunidade para ter mais daquilo.

Do outro lado da mesa tudo continuava igual.
Eu estava em um abismo, intransponível para o outro lado.

Segunda-feira terminamos o namoro.

Eu lembrei dessa história pela primeira vez meses depois,
achei-a curiosa.
Talvez foi um leve momento profético,
de um final que já estava no ar?
Um choro feliz, um prenúncio dos meus próximos meses?
Talvez.

Mas quanto mais eu fico com você, Raquel,
Mas eu gosto dessa história.

Percebo que entre nós não haverão abismos intransponíveis.
Haverão abismos,
e que abismos!

Mas serão abismos de mãos dadas.



A tristeza que vem daonde

Não sei porque estou triste.

Sei sim.
Deve ser isso.

Não, isso não é suficiente.
Isso com aquilo então?

Não, nada explica essa tristeza.
É um contato com algo além.

Estou mistificando.
Romantizando meus sentimentos,
Tornando-os nobres.
Na verdade as raízes dos meus sentimentos são as mais primitivas possíveis.
Cíumes, sexo, ego.

Os mais primitivos possíveis.

Isso me deixa triste.
E essa tristeza? É nobre?

Há beleza na dor

[20:54]
[Sentada na cama, com lágrimas nos olhos, muitas delas...]
[Escutando Ka Echsof, que é uma música que sempre desperta e aflora os sentimentos que habitam dentro de mim, tantos os bonitos quanto os mais doloridos...]
[Espero que esse relato não seja interpretado como muito dramático, e que ele não soe tão dramático, pois ao final do dia, estou viva e (relativamente) serena, e a vida caminha em direção à luz, e tenho certeza que tudo ficará bem]


Shabat não foi fácil.
Talvez eu deveria estar escrevendo isso no meu diário em si, mas acho que já estamos em um nível de intimidade, confiança e companheirismo a ponto que posso me sentir confortável para compartilhar com você os lados menos ´´bonitos´´ da existência. Afinal, espero viver ainda muitos tempos (não gosto de dizer ´´anos´´ haha, porque ao dizer ´´anos´´ estou de certa forma limitando a nossa vida conjunta a anos, definindo nossa temporalidade segundo uma dimensão temporal demarcada e limitando-nos a algo tão artificial e aleatório como uma definição pré-estabelecida de tempo).. enfim como eu dizia, espero ainda viver muitos tempos ao seu lado, e nem sempre serão tempos dos mais bonitos e ensolarados, afinal a vida tem também suas dores e momentos mais cinzentos. E até acho (e na verdade não é um grande achado haha) que compartilhar momentos assim (não estou ao certo compartilhando pois você não está de fato aqui do meu lado...) nos trazem mais perto do íntimo um do outro, e nos faz conhecer um ao outro em camadas que escapam ao olho nu, ao olho do povo que passa e a quem não abrimos nosso coração de forma tão honesta e sincera...
Bom, depois dessa longa introdução, como me é muitas vezes de costume fazer, vou ao ponto a que vim escrever aqui.
Como já te mencionei naquela noite na hamburgueria vegetariana (vegana?) da Ibn Gvirol, que foi uma noite em que nos abrimos mais sobre nossas famílias, as coisas em casa com o Ilan não são das mais fáceis pra minha mãe, ver ele não seguindo exatamente os valores religiosos nos quais meus pais criaram e educaram ele, não ligando muito pra faculdade, sendo bem fechado e não se comunicando razoavelmente com ela...the list goes on.
E me dói muito ver ela assim, sofrendo por algo que foge do seu controle.
Pois bem, existem picos e vales, momentos em que a angústia dela com essa situação está mais aflorada, e momentos em que ela está mais tranquila. Em geral, durante a semana, por estar distraída com a rotina e com as coisas desse mundo atarefado, ela não pensa muito em coisas tristes e não se deixa afetar muito pelos sentimentos tristes relacionados ao Ilan. No entanto, ela sempre me diz que quando chega shabat e ela está livre da rotina e das tarefas, frente a frente com o silêncio espiritual, Deus e si mesma, e temas como família e religião estão mais salientes, ela murcha como uma flor.
E como dói ver sua própria mãe murchar como uma flor.
Uma flor que você sempre viu florescer tão vigorosamente, que sempre se dedicou 1000% a tudo o que faz, que sempre batalhou pelo que quer, exemplo de mãe, filha, esposa, amiga, judia, mulher...Uma flor que sempre tanto perfumou meu jardim, de repente vai perdendo o perfume, pois já está cansada e pede por uma água que não vem...
Dói ver minha mãe murchar e me sentir impotente, pois a água que tenho para regá-la de fato traz um pouco de vida a ela, mas não sacia todas as necessidades emocionais dela, que em grande parte tem como origem o Ilan, e por tanto, só podem ser saciadas verdadeiramente se
1. O Ilan se apresentar de forma diferente e ter atitudes mais condizentes com o que minha mãe gostaria
2. Minha mãe mudar o jeito como encara e interpreta a situação, entendendo que se ela não tem controle sobre a situação em si, pelo menos está parcialmente nas mãos dela controlar a maneira como ela reage e interpreta o que ocorre à sua volta.

De vez em quando nesse último ano, quando estou em Israel, minha mãe liga quando acaba shabat e conta, com voz triste, como foi mais um shabat difícil sem a minha companhia, carinho e presença física, pois no shabat é quando ela mais sente minha falta e quando a tristeza e angústia dela em relação ao Ilan está mais acentuada.

Esse shabat eu estava aqui fisicamente, e assim pude dar a ela minha companhia, carinho e presença. Nesse quesito, fico feliz de poder estar aqui no Brasil e saber que minha mera presença pode trazer tanta leveza e alegria no coração de outra pessoa, principalmente por essa pessoa ser ninguém mais ninguém menos que minha mãe.
Depois que as visitas do almoço foram embora, coloquei pijama e sentei na sala para ler um livro do Rav Asher Freund, não sei se você já escutou falar. Cerca de uma hora depois, minha mãe acorda da soneca dela e senta ao meu lado com cara de quem não dormiu nada.  Ela começa a ler os tehilim dela, e de tempos em tempos levanta o olhar do livro e olha à sua volta com um ar triste e pra baixo.  Conheço quando ela está angustiada, e sei que ela gostaria de conversar sobre o que ela tá sentindo se eu der a ela essa abertura. Me preparo emocionalmente, pois as conversas de coração sincero nem sempre são as mais leves e fáceis, e pergunto a ela: ''Mãe, o que você tá sentindo?'' Ela levanta o rosto do tehilim e seu olhar se encontra com o meu, e um silêncio denso nos separa. E, como eu previa, ela aos poucos começa a se abrir e deixar seu íntimo e sua dor transparecer, compartilhando comigo suas preocupações, lágrimas, sentimentos de fracasso, suspiros por onde escoa o ar que está aprisionado dentro dela...
Não vou entrar em mais detalhes sobre a conversa, até porque acho que já estou falando demais e não cabe a você escutar e receber toda essa informação.
Mas foi assim que se deu minha tarde de Sábado. Bem difícil. Dolorido para eu, como filha, presenciar minha mãe murchando e me sentir tão impotente em ajudá-la.

Escrevi tudo isso e agora que chego ao fim dessa escrita, já nem sei se devo publicar ou não. Só de escrever tudo isso e por pra fora, e imaginar que você está do outro lado me ouvindo e que posso ser confortada com seu abraço, já me é terapêutico e confortador. Conforta a dor. Não estou esperando nenhuma resposta da sua parte, nenhum conforto ou consolo. Só senti um ímpeto de compartilhar, porque de certa forma isso traz você mais perto de mim, e por consequência, eu mais perto de você. E é o que eu estou precisando no momento. 

Mas talvez eu deva sim publicar. 
Afinal essa sou eu, uma das infinitas partes de mim. 
Também há beleza na dor. Porque a dor é nada mais que a verdade nua e crua, sem grandes enfeites ou filtros. A dor é pura. A dor é essência. E quero ser essência com você. Não no sentido que quero ser apenas dor com você. Jamais. Quero ser muito mais que isso, sou muito mais que isso em grande parte do tempo. Mas dor também faz parte. 
Há beleza na dor. 

[Voltei agora para clicar no botão de publicar. Havia feito um intervalo para ver um filme, Nocturnal Animals, aliás maravilhoso e muito forte pra mim... Cenas que pra mim são pesadas. Estupro, assassinato, drama, suspense, raiva, vingança, angústia. Capturou minha atenção em todos os segundos. Enfim, só fiz esse último adendo a esse texto para dizer que quero acrescentar um eu te amo e dizer que sinto saudades de você]

eu te amo
sinto saudades de você

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

E se você estivesse aqui...

[Quase shabat]
[... saudades]

E se você estivesse aqui,
Eu te abraçaria bem forte e sussurraria no teu ouvido o quanto te amo.
Deixaria meus cachos loiros se mesclarem sob sua juba morena,
E te diria o quanto estar ao seu lado me faz mais plena, serena.

a ser continuado

[Motzaei shabat, 29/09, noite bem noite, 01:22]

E se você estivesse aqui,
Eu escolheria dormir bem abraçadinha em você,
Pois a noite aqui é fria e um pouco triste.
Me enrolaria no seu corpo quente e macio,
Sentir teu calor, tua respiração no meu pescoço.
Me sentiria segura e amada dentro de você, ou melhor, dentro do seu abraço,
E me aconchegaria na sua existência,
Fazendo dela meu lar.






quarta-feira, 25 de setembro de 2019

מה שיותר עמוק יותר כחול


היא - באה שמש
וזה סימן שכבר מאוחר
היא - באה שמש
כבר לא אתמול ועוד לא מחר
היא - באה שמש
עם הקפה אלי למיטה
היא - באה שמש
אני יכול לאכול אותה


וכשאפתח את הדלת
ואסתכל על הכל
הכל נראה כמו שמיים
מה שיותר עמוק יותר כחול


היא - באה שמש
כל הלילה הייתי ער
היא - באה שמש
והיא כל מה שהיה חסר


וכשאפתח את הדלת
הכל נראה כמו עיניים
ואסתכל על הכל
מה שיותר עמוק יותר כחול




Ela - O sol está se pondo e é um sinal de que já está tarde.
O sol se cansou, se alaranjou, e decidiu dar meia volta.
O dia foi cansativo, as emoções intensas, quero voltar para casa.


Ela - O sol está se pondo, já não é ontem e ainda não é amanhã.
Estou preso em um tempo não definido, a que tempo pertenço?
(Ps: A cor da transição, lembra? Da síntese).


Ela - O sol está se pondo e veio com o café para mim, na cama.
Aparentemente o sol laranja, aconchegante, me acompanhou para cama, com sua mania de tomar café de noite.


Ela - O sol está está se pondo, eu posso comê-la!
O sol não vai a lugar algum, ele está em casa e posso comê-lo com todo o seu alaranjar.


E quando eu abrir a porta e olhar a tudo, tudo parece como os céus: o que for mais profundo será mais azul.
Olho para fora de casa, tudo é céu: o nada homogêneo.
Eu olho em volta, o que há de mais profundo?
O melancólico azul que me abraça por todos os lados.
O azul puro, sem luzes.
Essa imensidão que nos absorve.
Lindo azul, calmo, que paira sobre nós e nos deixa passivos e sem fôlego.


Ela - o sol está se pondo, toda a noite eu estive acordado!
(Vale lembrar que ela tomou o café e eu tive a insônia, muito romântico hein, nos tornamos um só organismo caramba).
Na minha insônia lembro de ter abrerto a porta e olhado para o universo,
Lembro daquele sofrimento passivo.


Ela - O sol está se pondo e ela era tudo que me faltava.
Depois de fechar a porta, ou não, volto para casa e vejo ela.
Estou com ela, ela está aqui! O rei sol está em casa.
Azuis caem dos meus olhos.


Quando nos encontramos na batente da porta,
Olhando para a vastidão azul,
Para o silêncio da noite em harmonia com o nosso,
Para todos os sentimentos e pensamentos que nos acariciam,
Eu olho em volta, o que há de mais profundo?
Os teus olhos, que estão se tornando azuis.



Passagem da Noite


[01:01]
[Sentada no sofá preto, coberta por edredom infinitamente azul, que me traz paz e serenidade]
[A única ainda desperta nessa fria noite de sei lá que estação que faz lá fora... São Paulo se rebelou e já não obedece às estações]

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Raquel, menina cujas estações se alternam no ritmo de seus sentimentos.
Em um instante vibrante floresce por campos de girassóis mentais,
E de repente carente murcha como quem não recebe água há tempos.
Ao fim transforma tudo em poesia, para que tais flutuações não lhe sejam fatais.


Passagem da Noite (do querido Carlos Drummond de Andrade em ''A Rosa do Povo'')

É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.





Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver! 



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Hoje foi mais um daqueles dias em que minha flutuação emocional se fez presente. Acordei animada, de pronto pulei da cama feliz com o que estava por vir. Estava há dias empolgada para hoje, em que acompanharia minha mãe na aula que ela frequenta semanalmente na Faculdade de Psicologia na USP.
Minha manhã foi sensacional. 3 horas de orgasmo intelectual.
Minha tarde foi inspiradora. Conversas sobre os ciclos do mundo e da mulher e sobre Deus com a Daphna.
Exausta, as 16:35 embarco na famigerada power nap.
Quando desperto, o mundo estava outro.
As coisas já não estavam em seu lugar.
Acordo pra um mundo cinza, frio e vazio.
Me sinto cinza, fria e vazia.
Dentro de mim, no fundo de mim, o grito se calou, fez-se desânimo.
É noite, não aquela que faz as estrelas surgirem no céu, mas aquela que escurece o interior do meu ser.
Um misto de imobilidade com angústia me prende na cama, não sinto vontade de levantar e prosseguir com meu dia. Melhor era continuar dormindo. Pra que fui acordar?
As coisas de repente se tornam pesadas, a gravidade me puxa com força em direção à terra da Terra.
E nesse estado de completa paralisia, a visão emocional fica mais turva e carregada, tudo adquire uma extra dose de dor.
A saudade de você, que já era grande, triplica.
A solidão que normalmente sinto em doses suportáveis e até prazerosas, se intensifica e me faz sentir esquecida e abandonada num mundo opressor.
Angústias esporádicas sobre o mundo de repente pesam mais do que posso aguentar.
Quero chorar.
Lágrimas não saem, estão estancadas.
Depois de refletir em vão sobre coisas escuras desse mundo, pois meu pensamento estava confuso e distorcido, junto forças inexistentes e me levanto, na esperança de que escrever em meu diário me confortará.
Nem meu diário, fiel amigo que acompanha pacientemente e com olhar curioso a minha brusca mudança de estações, é capaz de me acalmar ou ser acolhedor de minhas emoções. 
As palavras que quero escrever insistem em ficar entaladas em minha garganta. 
A caneta não coopera, não flui pelas linhas vazias. Nada flui.
Me sinto grão de areia nesse mundo grande.
Ele é pesado demais para os meus ombros.
Sinto as lágrimas se acumulando no meu peito, logo sei que vão vazar.
Volto para minha cama, como uma comportada anfitriã a espera de suas convidadas.
A primeira nem bate na porta, já vem rolando bochecha abaixo como se a casa fosse dela.
E outra, e outra, e outra.
De repente, meu rosto está encharcado por um rio de sentimentos confusos e ilegíveis.
Deixo o rio fluir.
Sei que tal catarse é imprescindível à minha existência e auto-conhecimento.
Tento expressar o que sinto (quando nem eu o sei) para quem eu sei que me ama e que me quer bem. 
Porque?
Primeiro porque estou impossibilitada de seguir uma conversa normal e responder sem maiores indícios de qualquer mudança de estações, o que gera indagação e um sentimento de confusão por parte deles, e sinto que devo um esclarecimento a respeito do que se passa do lado de cá.
Segundo, porque quando verbalizada e externalizada, a dor muitas vezes se dissipa.
Terceiro, porque ao se sentir amordaçada assim, muitas vezes ajuda ser acolhida e amada.
Mas a mordaça realmente é cruel, não me permite falar. 
Minha boca e todas as minhas faculdades verbais, imobilizadas.
Permaneço então calada.  
Impossibilitada, por mim mesma, de pedir ajuda e expressar para quem passa lá fora, o que é que se passa aqui dentro. 
Sou obrigada a ficar a sós comigo mesma naquele momento de simultânea dor e dormência. 
Respeito a minha necessidade de espaço e silêncio.
Eu em contato íntimo com o eu. Sentimentos nus, despidos de qualquer polidez ou refinamento social.
Dou tempo ao tempo.
Um sentimento de compaixão e amor-próprio se disfarça de lágrima e se infiltra no meu rio.
E quando todas as lágrimas e sentimentos rolaram, pergunto a mim mesma com carinho: ''Acabou?''
''Acabei.''
O mundo se recompõe.
Me sinto mais leve após todo aquele peso acumulado ter sido externalizado.
Me levanto e a luz vem ao meu encontro.
O essencial é viver!

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Tal flutuação emocional pode assustar o olho nu, mas não causa surpresa em sua velha hospedeira, eu. 
De fato se trata de uma jornada desgastante, atravessar tantos estados emocionais e encontrar tantos extremos em um só dia. 
Mas estou acostumada, e até ouso dizer que cada vez que hospedo uma flutuação emocional, me traz uma sensação de familiaridade, pois me confirma que eu ainda sou eu, com todas as minhas cores e troca de estações.
Outro grande hóspede que sempre dá as caras é o humor e a capacidade de dialogar comigo mesma, e dou graças a Deus por me permitir hospedar hóspedes tão queridos. Me permitem encarar a minha existência humana com leveza, tornando-a cômica. Assim tudo se torna mais tolerável. 

E assim chega ao fim mais um dia sendo Raquel, menina cujas estações se alternam no ritmo de seus sentimentos.

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Em relação à escolha do poema acima, Passagem da Noite, para me fazer companhia nessa fria noite de não-estação e me ajudar a expressar aquilo que sinto mas não sei expressar, ela (a escolha) não é incidental. Tem muita história pessoal por trás desse poema. Mas isso fica para outro texto, para outra estação.











segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Há tanto adormecidas

[22:52]
[Sentada de japona vermelha num sofá bege]

A facilidade com que
Te transformo em poesia
Me faz ter certeza
Que só você poderia
Despertar essas palavras
Há tanto adormecidas
Dentro de mim




domingo, 22 de setembro de 2019

Chega de Saudade

''Chega de Saudade''
                                            - Tom Jobim

Vai minha tristeza
E diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade, a realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza, é só tristeza
E a melancolia que não sai de mim
Não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim

sábado, 21 de setembro de 2019

Moral egocêntrica

Que diferença faz se você não come carne? Você acha que isso muda a indústria?
Sim sou muito auto-centrado.

Muitos problemas morais tem essa natureza. Ambientalismo, vegetarianismo, boicotes em geral...
Mas essa mesma questão moral, existe em um hábito que poucos questionam: as eleições.
O que muda o meu voto? Isso todos questionam, verdade.
Mas uma resposta que quase sempre apresentam é o famoso "e se todo mundo pensasse assim".
Não é claro como isso responde o dilema moral mas em geral as pessoas ficam quietas depois dessa afirmação, elas entendem algo difícil de colocar em palavras.

Como funciona essa resposta? Eu vejo duas opções.

1) Eu, não votando, provocaria um efeito cascata e poderia começar a influenciar várias pessoas a não votarem. Nesse caso haveriam consequências e portanto minha escolha deixaria de ser insignificante.
Por isso eu voto, porque pode vir a ter influências.

2) Quando eu digo "e se todos agissem assim" eu estou dizendo que eu tenho que agir de uma maneira que eu gostaria que todos agissem igual a mim e isso independe de se vão agir igual a mim na prática. Eu uso esse e se todos agissem como eu como uma pergunta de qual é a escolha moral a ser feita.

Não preciso dizer muito para desmentir a opção 1.
Acho que as pessoas confundem as duas opções e isso faz com que elas pensem que o argumento de "e se todos fossem assim" tem algo a ver com a prática, tem algo a ver com as consequências. Mas não, se eu quiser não ir votar e não contar pra ninguém, por que isso teria alguma influência na prática? Não acho que alguém sinceramente acredita que seu voto faz alguma diferença. Não mais do que deixar de comer carne.

A resposta é que as pessoas se sentem obrigadas a ir, elas sentem uma obrigação de fazer algo que, se todos fizessem assim, o mundo funcionaria bem. O "e se todos fizessem assim" é uma pergunta hipotética, que nada tem a ver com a prática, uma pergunta que avalia se determinado ato é moral ou não. O famoso imperativo categórico de Kant.

Por isso dizem que a moral de Kant depende das intenções (chamam isso de moral deontológica) e não das consequências (moral teleológica). Acredito que a moral formulada por Kant de fato traduz muitas das nossas intuições sobre o que é moral e o que não é. Por isso sentimos uma espécie de dever em ir votar. Por isso tem gente que não come carne, que não compra canudos, que não compra roupas da china. É um dever moral, independente das consequências.

Sartre vai mais longe. Existencialista, ele diz que o ser humano se define 100% pelos seus atos. Mas ele não define só a si mesmo - ele define toda a humanidade. Por isso que nossa moral é baseada na pergunta "e se todos fizessem assim": porque a gente acha que estamos definindo toda a humanidade com os nossos atos. Ele até diz que tem gente que responde o imperativo categórico dizendo "o que me importa? Nem todo mundo faz assim, eu faço assim", Sartre fala que essa resposta está ignorando intuições bem básicas do que é moral e o que não é. Intuições que dizem que quando eu ajo de uma maneira, eu estou influenciando toda a humanidade.
Então sim, sou muito auto-centrado.

A guemará em Kidushin fala que sempre devemos agir como se todo mundo tivesse o mesmo número de pecados e mitsvot. Sendo assim, se eu fizer uma mitsvá, eu salvo o mundo. Se eu fizer um pecado, eu destruo o mundo inteiro. (A guemara parte da estranha premissa que Deus conta os pecados do mundo todo ano e se houver mais pecados que mitsvot, o mundo é destruído, e vice-versa).
Olha só! Até combina com chodesh elul.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Em resposta à tua Sexta-feira

Em resposta à tua Sexta-feira


Sexta-feira


Te esperando chegar nesse dia onde Deus criou o ser humano e o ser humana…
Saudades de te ver.
Chegando,
Dormindo,
Acordando.


De quando eu me deito em cima de você, meu travesseiro azul de paz, e tenho certeza que é lá que quero ficar a minha vida inteira. Seu corpo sob o meu, o meu sobre o seu. Sentir o contato entre nossas peles, entre nossas almas. 
Intersecção de mundos e universos, galáxias de amor que se explodem ao encontro uma da outra. 


Saudades dos teus olhos morenos e risonhos, que acompanham o ritmo do seu riso.
E de quando eles se tornam de repente sérios, e de súbito voltam a rir.
Do teu abraço que me faz arder de paixão e vontade de me perder lá dentro, dentro de você, do teu ser e do teu existir. Nos percamos. E só assim, nos reencontraremos. 
Da tua pele macia e quente, que faz acordar a minha só de se aproximar timidamente, e depois, guerra.
Da sua sensibilidade ímpar, par, não sei com que algarismo ela termina. Ela não termina. Ela é infinita. E infinitamente, me comove. 
Do teu olhar, que me transmite conforto e paz, um mar azul, apesar de ser moreno, no qual quero me afogar. 
Saudades de poder me afogar em você em toda sua tridimensionalidade.
Saudades.


Sabe o que pensei?
Em muitas, infinitas coisas. Mas escolhamos uma.
Tem pessoas que têm a beleza de uma superfície de mar.
Muitas coisas nesse mundo têm essa beleza.
Beleza que à primeira vista, captura os olhos e faz encher a vista. 
Atrai o espectador que passa, sedento. 
O espectador, então, cai de boca nesse mar.
Mergulha esperando lá no fundo encontrar sua paz.
E ao tocar a ponta dos dedos no chão marinho, encontra nada mais que areia empoeirada. De paz, não achou nada.
 Retorna à superfície frustrado. Iludido.
Mar de ilusão. 
Tenta respirar mas se sente sufocado. 
Sufocado por uma esperança em vão.
Uma esperança sucateada no fundo do mar.
Esperança que ele lá depositou, e que com ele não retornou.


Tem pessoas que têm a beleza de uma superfície de mar.
Elas parecem ser um mundo, mas quando você as toca, percebe que são ocas. 
Na minha eterna sede por mais, suas águas não me saciam. Logo encontro seus chãos, e de lá não posso passar. Porque não há nada mais a ser descoberto. São pura superfície.


E tem você.
As cores e os tons infinitos flutuando nesse mar.
Tuas águas são as do tom azul mais belo.
Mergulho em ti.
Um eterno escavar.
E não tem como disfarçar,
Que quanto mais profundo eu me lanço em tuas águas, mais quero te adentrar.