sábado, 21 de setembro de 2019

Moral egocêntrica

Que diferença faz se você não come carne? Você acha que isso muda a indústria?
Sim sou muito auto-centrado.

Muitos problemas morais tem essa natureza. Ambientalismo, vegetarianismo, boicotes em geral...
Mas essa mesma questão moral, existe em um hábito que poucos questionam: as eleições.
O que muda o meu voto? Isso todos questionam, verdade.
Mas uma resposta que quase sempre apresentam é o famoso "e se todo mundo pensasse assim".
Não é claro como isso responde o dilema moral mas em geral as pessoas ficam quietas depois dessa afirmação, elas entendem algo difícil de colocar em palavras.

Como funciona essa resposta? Eu vejo duas opções.

1) Eu, não votando, provocaria um efeito cascata e poderia começar a influenciar várias pessoas a não votarem. Nesse caso haveriam consequências e portanto minha escolha deixaria de ser insignificante.
Por isso eu voto, porque pode vir a ter influências.

2) Quando eu digo "e se todos agissem assim" eu estou dizendo que eu tenho que agir de uma maneira que eu gostaria que todos agissem igual a mim e isso independe de se vão agir igual a mim na prática. Eu uso esse e se todos agissem como eu como uma pergunta de qual é a escolha moral a ser feita.

Não preciso dizer muito para desmentir a opção 1.
Acho que as pessoas confundem as duas opções e isso faz com que elas pensem que o argumento de "e se todos fossem assim" tem algo a ver com a prática, tem algo a ver com as consequências. Mas não, se eu quiser não ir votar e não contar pra ninguém, por que isso teria alguma influência na prática? Não acho que alguém sinceramente acredita que seu voto faz alguma diferença. Não mais do que deixar de comer carne.

A resposta é que as pessoas se sentem obrigadas a ir, elas sentem uma obrigação de fazer algo que, se todos fizessem assim, o mundo funcionaria bem. O "e se todos fizessem assim" é uma pergunta hipotética, que nada tem a ver com a prática, uma pergunta que avalia se determinado ato é moral ou não. O famoso imperativo categórico de Kant.

Por isso dizem que a moral de Kant depende das intenções (chamam isso de moral deontológica) e não das consequências (moral teleológica). Acredito que a moral formulada por Kant de fato traduz muitas das nossas intuições sobre o que é moral e o que não é. Por isso sentimos uma espécie de dever em ir votar. Por isso tem gente que não come carne, que não compra canudos, que não compra roupas da china. É um dever moral, independente das consequências.

Sartre vai mais longe. Existencialista, ele diz que o ser humano se define 100% pelos seus atos. Mas ele não define só a si mesmo - ele define toda a humanidade. Por isso que nossa moral é baseada na pergunta "e se todos fizessem assim": porque a gente acha que estamos definindo toda a humanidade com os nossos atos. Ele até diz que tem gente que responde o imperativo categórico dizendo "o que me importa? Nem todo mundo faz assim, eu faço assim", Sartre fala que essa resposta está ignorando intuições bem básicas do que é moral e o que não é. Intuições que dizem que quando eu ajo de uma maneira, eu estou influenciando toda a humanidade.
Então sim, sou muito auto-centrado.

A guemará em Kidushin fala que sempre devemos agir como se todo mundo tivesse o mesmo número de pecados e mitsvot. Sendo assim, se eu fizer uma mitsvá, eu salvo o mundo. Se eu fizer um pecado, eu destruo o mundo inteiro. (A guemara parte da estranha premissa que Deus conta os pecados do mundo todo ano e se houver mais pecados que mitsvot, o mundo é destruído, e vice-versa).
Olha só! Até combina com chodesh elul.

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