domingo, 29 de setembro de 2019

Há beleza na dor

[20:54]
[Sentada na cama, com lágrimas nos olhos, muitas delas...]
[Escutando Ka Echsof, que é uma música que sempre desperta e aflora os sentimentos que habitam dentro de mim, tantos os bonitos quanto os mais doloridos...]
[Espero que esse relato não seja interpretado como muito dramático, e que ele não soe tão dramático, pois ao final do dia, estou viva e (relativamente) serena, e a vida caminha em direção à luz, e tenho certeza que tudo ficará bem]


Shabat não foi fácil.
Talvez eu deveria estar escrevendo isso no meu diário em si, mas acho que já estamos em um nível de intimidade, confiança e companheirismo a ponto que posso me sentir confortável para compartilhar com você os lados menos ´´bonitos´´ da existência. Afinal, espero viver ainda muitos tempos (não gosto de dizer ´´anos´´ haha, porque ao dizer ´´anos´´ estou de certa forma limitando a nossa vida conjunta a anos, definindo nossa temporalidade segundo uma dimensão temporal demarcada e limitando-nos a algo tão artificial e aleatório como uma definição pré-estabelecida de tempo).. enfim como eu dizia, espero ainda viver muitos tempos ao seu lado, e nem sempre serão tempos dos mais bonitos e ensolarados, afinal a vida tem também suas dores e momentos mais cinzentos. E até acho (e na verdade não é um grande achado haha) que compartilhar momentos assim (não estou ao certo compartilhando pois você não está de fato aqui do meu lado...) nos trazem mais perto do íntimo um do outro, e nos faz conhecer um ao outro em camadas que escapam ao olho nu, ao olho do povo que passa e a quem não abrimos nosso coração de forma tão honesta e sincera...
Bom, depois dessa longa introdução, como me é muitas vezes de costume fazer, vou ao ponto a que vim escrever aqui.
Como já te mencionei naquela noite na hamburgueria vegetariana (vegana?) da Ibn Gvirol, que foi uma noite em que nos abrimos mais sobre nossas famílias, as coisas em casa com o Ilan não são das mais fáceis pra minha mãe, ver ele não seguindo exatamente os valores religiosos nos quais meus pais criaram e educaram ele, não ligando muito pra faculdade, sendo bem fechado e não se comunicando razoavelmente com ela...the list goes on.
E me dói muito ver ela assim, sofrendo por algo que foge do seu controle.
Pois bem, existem picos e vales, momentos em que a angústia dela com essa situação está mais aflorada, e momentos em que ela está mais tranquila. Em geral, durante a semana, por estar distraída com a rotina e com as coisas desse mundo atarefado, ela não pensa muito em coisas tristes e não se deixa afetar muito pelos sentimentos tristes relacionados ao Ilan. No entanto, ela sempre me diz que quando chega shabat e ela está livre da rotina e das tarefas, frente a frente com o silêncio espiritual, Deus e si mesma, e temas como família e religião estão mais salientes, ela murcha como uma flor.
E como dói ver sua própria mãe murchar como uma flor.
Uma flor que você sempre viu florescer tão vigorosamente, que sempre se dedicou 1000% a tudo o que faz, que sempre batalhou pelo que quer, exemplo de mãe, filha, esposa, amiga, judia, mulher...Uma flor que sempre tanto perfumou meu jardim, de repente vai perdendo o perfume, pois já está cansada e pede por uma água que não vem...
Dói ver minha mãe murchar e me sentir impotente, pois a água que tenho para regá-la de fato traz um pouco de vida a ela, mas não sacia todas as necessidades emocionais dela, que em grande parte tem como origem o Ilan, e por tanto, só podem ser saciadas verdadeiramente se
1. O Ilan se apresentar de forma diferente e ter atitudes mais condizentes com o que minha mãe gostaria
2. Minha mãe mudar o jeito como encara e interpreta a situação, entendendo que se ela não tem controle sobre a situação em si, pelo menos está parcialmente nas mãos dela controlar a maneira como ela reage e interpreta o que ocorre à sua volta.

De vez em quando nesse último ano, quando estou em Israel, minha mãe liga quando acaba shabat e conta, com voz triste, como foi mais um shabat difícil sem a minha companhia, carinho e presença física, pois no shabat é quando ela mais sente minha falta e quando a tristeza e angústia dela em relação ao Ilan está mais acentuada.

Esse shabat eu estava aqui fisicamente, e assim pude dar a ela minha companhia, carinho e presença. Nesse quesito, fico feliz de poder estar aqui no Brasil e saber que minha mera presença pode trazer tanta leveza e alegria no coração de outra pessoa, principalmente por essa pessoa ser ninguém mais ninguém menos que minha mãe.
Depois que as visitas do almoço foram embora, coloquei pijama e sentei na sala para ler um livro do Rav Asher Freund, não sei se você já escutou falar. Cerca de uma hora depois, minha mãe acorda da soneca dela e senta ao meu lado com cara de quem não dormiu nada.  Ela começa a ler os tehilim dela, e de tempos em tempos levanta o olhar do livro e olha à sua volta com um ar triste e pra baixo.  Conheço quando ela está angustiada, e sei que ela gostaria de conversar sobre o que ela tá sentindo se eu der a ela essa abertura. Me preparo emocionalmente, pois as conversas de coração sincero nem sempre são as mais leves e fáceis, e pergunto a ela: ''Mãe, o que você tá sentindo?'' Ela levanta o rosto do tehilim e seu olhar se encontra com o meu, e um silêncio denso nos separa. E, como eu previa, ela aos poucos começa a se abrir e deixar seu íntimo e sua dor transparecer, compartilhando comigo suas preocupações, lágrimas, sentimentos de fracasso, suspiros por onde escoa o ar que está aprisionado dentro dela...
Não vou entrar em mais detalhes sobre a conversa, até porque acho que já estou falando demais e não cabe a você escutar e receber toda essa informação.
Mas foi assim que se deu minha tarde de Sábado. Bem difícil. Dolorido para eu, como filha, presenciar minha mãe murchando e me sentir tão impotente em ajudá-la.

Escrevi tudo isso e agora que chego ao fim dessa escrita, já nem sei se devo publicar ou não. Só de escrever tudo isso e por pra fora, e imaginar que você está do outro lado me ouvindo e que posso ser confortada com seu abraço, já me é terapêutico e confortador. Conforta a dor. Não estou esperando nenhuma resposta da sua parte, nenhum conforto ou consolo. Só senti um ímpeto de compartilhar, porque de certa forma isso traz você mais perto de mim, e por consequência, eu mais perto de você. E é o que eu estou precisando no momento. 

Mas talvez eu deva sim publicar. 
Afinal essa sou eu, uma das infinitas partes de mim. 
Também há beleza na dor. Porque a dor é nada mais que a verdade nua e crua, sem grandes enfeites ou filtros. A dor é pura. A dor é essência. E quero ser essência com você. Não no sentido que quero ser apenas dor com você. Jamais. Quero ser muito mais que isso, sou muito mais que isso em grande parte do tempo. Mas dor também faz parte. 
Há beleza na dor. 

[Voltei agora para clicar no botão de publicar. Havia feito um intervalo para ver um filme, Nocturnal Animals, aliás maravilhoso e muito forte pra mim... Cenas que pra mim são pesadas. Estupro, assassinato, drama, suspense, raiva, vingança, angústia. Capturou minha atenção em todos os segundos. Enfim, só fiz esse último adendo a esse texto para dizer que quero acrescentar um eu te amo e dizer que sinto saudades de você]

eu te amo
sinto saudades de você

2 comentários:

  1. Ai linda! Amei o final. Eu preciso admitir que esses momentos me fazem perceber o quanto eu te amo. Eu não sei nem porque, não é algo que eu posso apontar, acho que tem algo em simplesmente conhecer você mais profundamente que me deixa mais apaixonado, não é nenhuma característica em si...

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